Longe demais

Era Uma Vez…, de Breno Barreto

Estação Mathias Velho ou será Canoas? Desci na indicada por uma senhora falante. Não lembro qual era, lembro da música que tocava nessa Estação:”Eu puxo o seu cabelo, faço o que você gosta…” A passarela estava em ritmo de funk. Segui até o shopping, eram quatro ou três quadras. Lá não tocava a mesma música. Havia apenas mil cheiros, um cheiro de nada prevalecia. Meu destino é o cinema. Eu estava lá, mais uma vez, protegida, controlada por câmeras e vigias.

Segura e distante…

Atrasada para sessão, invento para moça de azul da bilheteria que alguém me espera na sala. Ela olha e diz com um sorriso no canto da boca sem mostrar os dentes: Não há ninguém nessa sala. Eu estranho e insisto que há uma sessão nesse horário. A moça continua a falar: Sim, tem uma sessão só não começamos porque não há ninguém lá. Eu então retomo minha mentira: A pessoa que eu espero ainda não chegou então, mas verei o filme mesmo assim. Finalizo com um sorriso amarelo. Pego o ingresso e vou adiante.

Pronto. Cheguei a tempo, mas ninguém mais chegou. Escolho um lugar estratégico, de melhor ângulo. Desligo o celular para não atrapalhar os fantasmas que me acompanham e assistem ao filme “Era uma vez…”, de Breno Silveira. Diferente do seu primeiro longa-metragem “2 filhos de Francisco”, que moveu mais de 5,4 milhões de brasileiros às salas de cinema, esse último não teve a mesma repercussão. Mas, nessa obra, Breno está, nitidamente, mais maduro. Fato que não se resume à excelência técnica.

Bem, é mais ou menos assim: Era uma vez um menino pobre da favela do Cantagalo e uma menina rica que mora na Vieira Souto, avenida em frente à praia de Ipanema. Os dois se conhecem e se apaixonam. Porém, vivem de formas bem distintas. Ele trabalha para um quiosque em frente ao apartamento dela (na beira da praia). Dé conheceu, desde cedo as injustiças do mundo. Ela, nem sabia que ele existia. Ele sonhava com ela todas as noites e ficava a imaginar mil formas de se aproximar. Perto? Não, longe. A renda era o que os tornava tão distantes.

Tudo para ser uma mera história de amor. Uma fábula como a do plebeu e da rainha. Breno quer, a partir dessa adaptação ‘shakespeareana’ de Romeu e Julieta, mostrar a realidade da favela versus a realidade de quem vive longe dela. Nesse caso, Dé e Nina não têm famílias rivais, mas classes sociais diferentes. É a desigualdade que os impede de viver esse romance.

As grades do condomínio de Nina, ao mesmo tempo em que a protegem, separam-na de Dé. O amor desfaz esse portão de ferro. Desfaz o preconceito e as injustiças. Porém, não vence a guerra. Breno quer alertar a sociedade para essa carência de afeto, de amizades sem interesses, dessa falta de verdade e respeito entre os homens. O filme pede um basta. Um fim para essa violência que nos afasta um dos outros. Uma guerra, que como em qualquer outra, quem paga são os inocentes.

Enquanto o culpado dessa violência tem nome e se chama “poder”…

Juliana CC

2 Comentários

  1. Teu post é uma bela crônica Juliana. Gostei muito.
    “As grades do condomínio são para trazer proteção, mas também trazem a dúvida se é você que está nessa prisão…”
    Sinceramente, fiquei com vontade de assistir.

  2. Eu consigo ver a tua cara dizendo que alguém a esperava lá dentro…

    E de fato, os fantasmas não gostam de ser incomodados quando vão assistir filmes!

    beijos


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